quinta-feira, 1 de março de 2012

História da minha infância











O meu pai andou no 1ºano de engenharia, (mas desistiu porque queria dinheiro para fumar), é a pessoa mais inteligente e com mais cultura gral que conheço. Com ele podemos falar de jazz, futebol, novelas, economia, comida, em Inglês, Françês, Espanhol, etc. Ele tem opinião sobre tudo, conhece tudo e todos. Tinha um bom emprego, isto à 30 anos já tinha carro da empresa. Houve uma altura que se começou a perder.

Quando nasceu a minha irmã na maternidade Julio Dinis, a minha Mãe veio embora de táxi, porque o meu pai foi para as p*t*s comemorar. Enfim...

Não sei quando começou, mas sei que a cada dia que passava o odiava mais e mais... e foram muitos meses.Ele chegava bêbado, porque era a única maneira de conseguir dizer o que queria, e de fazer o que lhe apetecia.

A casa da minha Mãe no 1º andar tem uma varanda em volta de toda a parte da frente da casa, e no inicio da varanda e no outro extremo tem portas, tanto uma porta como a outra eram salas. A primeira sala era onde o meu pai dormia, e a sala do fundo, que é hoje o quarto da minha irmã, era onde a minha mãe dormia. Porque sua excelência não permitia que a minha Mãe dormisse no quarto.

Ele chegava bêbado por volta das 2 da manhã, já estávamos a dormir, e o meu pai andava à volta da casa e na varanda, a insultar tudo e todos e acordava-nos, tirava-nos da cama, obrigava-nos a ir dormir para a cama deles, porque só nós tínhamos direito a dormir naquela cama, que eu entre choro e gritos dizia que não queria, que só queria dormir na minha cama, mas mesmo assim era obrigada a deitar-me lá. A conversa essa, era sempre a mesma... Que um dia ia ter um ferrari e que ia ser muito rico e que ia mandar toda a gente pro car*lh*. E que éramos todas umas p*t*s e umas vacas e uma complicadas. E o padre era um filho da p*t*a, e os vizinhos e o cão e o gato e o raio que o parta... Foram manhãs sem ir ao colégio, porque passávamos a noite acordadas. Foram muitos dias de terror.

Tenho na memória, noites de terror. Mas em todas elas eu me punha a frente da minha Mãe para ele não fazer nada a ela. A minha irmã tinha uma maneira diferente de sofrer, fechava a porta do quarto e não queria saber. Acredito que sofresse mais do que eu, mas temos maneiras diferentes de reagir.

Um dos episódios:
Eu decidi dormir na sala com a minha Mãe, ela no sofá eu no colchão no chão. Eram quase 2 da manhã, e ouvi a minha Mãe murmurar um "aí vem o pesadelo outra vez" conseguíamos ouvir os passos dele na rua, molhada pela chuva. Ele entrou, acendeu todas as luzes da casa, e começou a insultar-nos. Nós fingimos que dormíamos. Nesse dia ele agarrou o pescoço da minha Mãe, ela deu-lhe um murro na cara, era sangue por todo o lado, mas foi a única maneira de ele parar um mês. Tivemos um mês de sossego! Ele ficou com o olho todo preto, por dentro, na parte branca, estava com ele todo vermelho. Metia medo olhar para o olho, mas ao mesmo tempo sossegava-me. Ele passava os dias deitado na sua sala a fumar.

Outro episódio:
A minha irmã foi com um casal amigo da minha Mãe ver o FCP, e eu fiquei com a minha Mãe em casa de uma amiga. Eram prai 22h e ligaram para o café a pedir para chamar a minha Mãe. Fomos a correr para casa, e quando lá chegamos a minha Mãe tinha os mais de 100 vasos na rua, todos partidos e ele no parapeito da janela a fumar um cigarro, e as palavras dele "achavas que não consegui entrar em casa?". Tinha chegado tão bêbado que não conseguia abrir a porta, então arrombou. Achava que a minha Mãe tinha mudado a fechadura... A minha Mãe entrou, eu chorava e berrava para não entrar ali, ele dizia que a matava. Os vizinhos estavam na rua, mas não houve nenhum homem que lhe fizesse frente,  isso dava-lhe força. Ligamos para a polícia, a polícia disse que quando ele lhe estivesse a matar para lhe ligar novamente, e só assim poderiam actuar. A minha Mãe levou-me a casa de uma tia, para ficar lá a dormir, a minha irmã ficou a dormir em casa do outro casal que a levou. Eu pedia-lhe que ficasse comigo, mas sem sucesso Eu não dormi, fiquei em pânico por causa da minha Mãe. Nessa noite ela dormiu na cama deles com uma faca debaixo da almofada.

E mais outro:
Era sábado, faltavam cerca de 10 minutos para começar a missa das 20h (nós moramos mesmo ao lado da igreja), ele chegou perdido de bébado e à marretada partiu a televisão que a minha Mãe tinha na confecção. A minha Mãe só lhe dizia "M. está na hora da missa, toda a gente está a ouvir, pára!" Mas quanto mais a minha Mãe pedia, mais ele partia, subiu as escadas, e tinha lá uma calçadeira lacada a branco com uma pedra mármore, ele partiu a calçadeira toda com o nosso calçado todo lá dentro, entre outras pequenas coisas. Nós choravamos e gritávamos, mas ele não estava nem ai...

E apenas mais outro, que foi o último deste pesadelo, era Setembro, o meu Tio da casa ao lado ficava no mês de Setembro a dormir em casa do padre, porque se encontrava de férias. Entre gritos e eu a pedirmos ajuda, o meu Tio que estava a passar, arrombou a porta, o meu pai estava agarrado a minha mãe nas escadas. O meu tio agarrou-lhe pelos colarinhos e disse: "Desgraçado, se continuas a infernizar a minha irmã e as minhas sobrinhas eu ponho-te do outro lado" (do outro lado da igreja fica o cemitério) E ele fez as malas e foi embora para Londres.

Foram meses e meses de inferno sem ninguém fazer nada.

A conversar com a minha Mãe depois de ter tido a discussão com o meu pai, a minha Mãe disse: "Sabes filha, sempre vos disse que bom ou ruim é vosso pai, sempre vos obriguei a falar com ele ao telefone todas as semanas quando vocês eram pequenas, mesmo depois de tudo o que ele nos fez, mas agora chega!" E eu só lhe respondi: "Infelizmente Mãezinha, nunca nos devias ter obrigado a falar com ele, ele nunca foi bom pai, sempre pensou nele, e mesmo agora, ele ainda tem a lata de me dizer, os trocos que me dás, não fazes mais do que a tua obrigação. As raízes deviam ter sido logo separadas no dia que ele saiu por aquela porta."

E é tão triste dizer isto do meu... daquele senhor que se intitula meu pai, porque é assim que diz a lei, ele fez, logo é meu pai. Todos os anos íamos 3 semanas passar férias com ele a Londres, eu chorava porque não queria ir, e chorava todos os dias que lá estava. Ligava para a minha Mãe para me ir buscar. Talvez por isso tenha ficado a odiar tanto Londres. Talvez por isso eu gostava de voltar para ver se mudava de ideias. Ele sempre nos tratou bem, sempre passeamos bastante naquelas 3 semanas. Mas eu não queria estar ali, não naquele contexto. A ele devo conhecer Londres e ao mesmo tempo a odiar tanto um país. A ele devo a viagem ao Rio de Janeiro e a ele devo ter ficado a amar tanto uma cidade maravilhosa. Mas é a ele que também devo toda a minha raiva, todo o meu sofrimento interior, todos os inícios de depressões. E foi também por causa dele que estava a deixar-me ir abaixo, e que estava sem paciência para o meu filho. Porque ao fim de mais de 20 anos dói, dói tanto como se tivesse sido ontem.

Por isso o dia do ponto final está a chegar. Eu não quero uma pessoa que já me fez tanto mal na minha vida. Eu não quero uma pessoa que me transforme naquilo que já fui, revoltada com o mundo e com todos, que me atirou ontem para uma cama, porque já não tenho capacidade para ouvir aquilo que ouvi ao telefone, e que as pessoas que mais amo paguem pelas merdas que ele me disse. Eu não gosto daquele homem que se diz meu pai! Por causa dele estive 2 meses sem falar com a pessoa que me deu vida, que nos apoiou, que nos castigou, que nos educou, que fez com que hoje não fossemos umas delinquentes revoltadas. A ela eu devo tudo o que sou. Se podia ser uma pessoa melhor, eu sei que podia, mas sou o melhor que consigo depois de tantos anos de tortura!

Era o S. bebé, e a minha Mãe disse-me para dormir no quarto dela, porque ela tinha comprado uma mobília para o meu quarto mas não tinha chegado. Eu insisti que não queria ficar lá. Ela insistiu,! O N. instalou-se logo. Eu sentei-me a chorar na cadeira do quarto enquanto dizia que não consegui ficar lá. Fui para o meu quarto e fiz a cama no colchão no chão. A minha Mãe não compreendeu naquele dia, mas no dia seguinte eu expliquei-lhe o porquê. Acho que foi ai que ela percebeu o quanto eu odeio aquele lindo e maravilhoso quarto.

Eu devia ter-lhe feito o que ele fez ao pai dele. Nunca mais quis saber do pai. Eu não conheci o meu avô Afonso pessoalmente. O meu avô que tinha os olhos mais azuis que alguma vez vi.

Aqui está o motivo por eu não beber álcool e por odiar álcool, e o porquê de naquela passagem do ano, o N. me ter estragado os primeiros minutos do ano. Porque ele estava alcoolicamente bem-disposto.